sábado, 5 de abril de 2008

Fragmento

Anular. Talvez seja esta a palavra que suscita o meu desejo atual. Gostaria de me anular quanto mulher. Quanto sujeito. Quanto atriz. Quanto performer. Quanto o corpo espira sangue e desperdiça suor. Em cada intervenção sinto uma sensação diferente. A força que sentia quando sentia meu corpo lutando e tentando entrelaçar nos espelhos fragmentados se dissipou. Esvaiu entre os movimentos falhos de retorno a um ponto inicial nesta outra performance. Via-me como o animal que não queria ser. O animal que ambicionava regressar para o útero. O animal que fora retirado brutalmente de sua posição cômoda. A saída da matriz é dolorosa. Mas a dor e a necessidade de retorno são supérfluas. A dor que inquieta nunca é suficiente para arcar o grau de generosidade existente e a necessidade de retorno é cíclica, sempre latente. Sim, mais uma cicatriz. Mais uma para coleção de rasgos na pele que até um ponto permanecia virgem. Mesmo quando somos suficientes não podemos negar nossa essência. Eu não sou suficiente. Sou dependente. Se não de alguém, de algo. Talvez algo dentro de mim clame por autodestruição. Talvez eu implore pela minha existência. Desse embate, nasce isso. Uma coisa incompleta, repleta de fendas e reduzida à indigência. Eu fui. Sumi com o rancoroso asco de mim. Outro dia. Outra marca. Amor. Se o sentimento é definido ou não, creio que estive próximo de senti-lo. Senti amor por aquele outro animal que me repulsava desejando me amparar. Não precisava gesticular ou mesmo agir. Um olhar apenas para dizer qualquer coisa semelhante, um olhar apenas para dizer algo como "confiança". Continuo viva, ainda.

Catarina Alice.

Um comentário:

meL disse...

Quem te conhece pouco nem desconfia da existência de um lado tão frágil e dependente nesta Catarina.
Ainda viva. Ainda continua sendo minha heroína.
E tem jeito? :P